Defensora relata atuação em processo de destituição do poder familiar
Durante sessão de julgamento didática da 8ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado (TJRS), ocorrida no dia 6 de setembro, mereceu destaque e foi alvo de muitos comentários a atuação da defensora pública Cinara Fratton, na comarca de Passo Fundo, em caso de destituição do poder familiar que teve um desfecho positivo para a mãe. A ADPERGS, representada pela diretora de Comunicação Lisiane Zanette Alves, acompanhou a sessão, ao lado da defensora Adriana Burger, titular da 8ª Câmara. Confira a seguir um relato da defensora Cinara, que faz um histórico do caso, retratando em detalhes o caminho adotado pela defesa, além de considerações de valor inestimável sobre sua atuação.
“A história de vida de N.A. foi por mim conhecida quando a Defensoria Pública foi chamada a intervir, como curadora especial, para a sua defesa no processo de destituição do poder familiar cumulado com pedido de adoção proposto por S.L. e J.S., em relação a J., filho de N.A., criança que à época tinha 04 (quatro) anos de idade.
Nesse caso, o que me chamou a atenção foi o fato de inexistir qualquer motivo concreto que impedisse N.A. de reaver a guarda de seu filho, já que, mesmo por estar cumprindo pena, situação recorrente nos Presídios de nosso Estado, não houve nenhuma comprovação que ela tenha dado causa a extinção do poder familiar.
Pelo revés, a prova constante no processo estava favorável à mãe, que, por circunstâncias alheias – estar cumprindo pena no regime fechado – a impossibilitavam, provisoriamente, de exercer a guarda de seu filho.
Além disso, a situação familiar da criança também se mostrava peculiar na medida em que João estava sendo criado pela tia paterna, S.L cunhada de N.A e não pela mãe, que havia confiado a S.L essa missão, na tentativa desesperada de manter o filho no seio da família biológica. E mais, o menino não tinha conhecimento a respeito de sua identidade biológica, acreditando que sua mãe era S. L e não N. A.
Fundamental assim foi a avaliação profissional da equipe da assistência social do Poder Judicário realizada na cidade em que N.A cumpria a prisão, e que revelou que ela nunca maltratou seu filho, que nasceu no Presídio. O que ocorreu, na verdade, foi que por estar segregada solicitou à irmã para que cuidasse do menino até que cumprisse a pena no regime fechado. Entretanto, a irmã entregou a criança no abrigo. Preocupada com o bem estar de seu filho, entrou em contato com a cunhada, S.L., para que retirasse a criança daquele lugar, acordando que fossem realizadas visitas à mãe, o que não foi cumprido por S. L, que levou a criança apenas uma vez ao encontro da mãe. Diante dessa situação N.A. acabou por ser afastada do convívio de seu filho, no entanto, nunca desistiu de lutar por ele.
O tempo passou e N.A. refez sua vida: no regime aberto obteve emprego com carteria assinada, aquiriu moradia própria e, ainda, deu à luz mais dois filhos, S e D, os quais permaneceram sob sua guarda, o que demonstrava que estava plenamente apta a retomar o convívio com o filho J.
Felizmente, com o julgamento da apelação a situação teve um desfecho positivo tanto para N.A., como para J., que mesmo sendo mantido sob a guarda de S.L., terá direito de desfrutar do convívio com a mãe, saber sua origem biológica, e, ainda, conviver com os irmãos, o que não seria possível com a extinção do poder familiar.
Fiquei emocionada e muito feliz ao tomar conhecimento da respeitosa decisão humana e jurídica do eminente Desembargador Luiz Felipe Brasil Santos, que determinou a restauração dos vínculos familiares entre N.A e o filho J., com acompanhamento de todos os envolvidos mediante tratamento psicológico.
Ao meu entender, o trabalho interdiscplinar de todos os agentes envolvidos neste processo foi imprescindível para que a verdade sobre a história de J. viesse à tona e, assim, fossem preservados os vínculos familiares e a dignidade humana.
Destaco, ainda, que em primeiro grau também restou observado o devido processo legal pelo Magistrado que conduziu o feito, tanto que acolheu nulidade insanável e reabriu a instrução processual.
É gratificante poder contribuir com a restauração de uma família e auxiliar uma detenta na recuperação do convívio com o seu filho, trazendo um pouco de acalento a sua vida que, certamente, já atravessou dificuldades de toda ordem, seja pela situação de hipossuficiência, seja pela restrição de sua liberdade, seja, enfim, pela perda da infância de J. – situação que, agora, de forma gradativa, quem sabe será revertida.”
Passo Fundo, 21 de outubro de 2012.
Cinara Furian Fratton – Defensora Pública
Acórdão 70049029150